sexta-feira, 3 de junho de 2011

O que é a velhice?


A velhice é o Outono da vida; no último declínio, a vida está no Inverno. Somente com o pronunciar esta palavra - velhice -, sente-se já o frio que sobe ao coração.
A velhice, segundo o modo de ver comum dos homens, é a decrepitude, a ruína; ela recapitula todas as tristezas, todos os males, todas as dores da vida; é o prelúdio melancólico e aflitivo do último adeus.
Há aí um grave erro. Em regra geral nenhuma fase da vida humana é inteiramente deserdada dos dons da Natureza, e muito menos das bênçãos de Deus. Por que o derradeiro quartel da existência, o que precede imediatamente a coroação do destino, será mais triste que os outros? Seria uma contradição - e esta não pode existir na obra divina - onde tudo é harmonia comparável à da composição viva de um concerto impecável.
Ao contrário, a velhice é bela, é grande, é santa. Vamos estudá-la um instante, à luz pura e serena do Espiritualismo.

A velhice é ainda, e apesar de tudo, uma das belezas da vida, e certamente uma de suas mais altas harmonias.

A velhice é santa, pura quanto à primeira infância; por isso, aproxima-se de Deus e vê mais claro e mais longe nas profundezas do Infinito.
Ela é, em realidade, um começo de desmaterialização. A insónia, característico ordinário dessa idade, disso oferece a prova material. A velhice assemelha-se à vigília prolongada, à vigília da eternidade, e o velho é uma espécie de sentinela avançada, na extrema fronteira da vida; já tem um pé na terra prometida e vê a outra margem, a segunda vertente do destino. Daí essas ausências estranhas, essas distracções prolongadas que costumamos tomar por enfraquecimento mental e que são, em realidade explorações momentâneas no Além, isto é, fenómenos de expatriação passageira. Eis o que nem sempre se compreende. 

A velhice tem-se dito muitas vezes, é à tarde da vida, é à noite. À tarde da vida, em verdade; mas, há tardes belas e poentes com reflexos de apoteose.
É à noite; mas, a noite é tão bela, com o seu ornato de constelações!
Igual à noite, a velhice tem suas vias-lácteas, suas estradas brancas e luminosas, reflexo esplêndido de longa vida, cheia de virtude, de bondade, de honra! A velhice é visitada pelos Espíritos do Invisível, tem iluminações instintivas; um dom maravilhoso de adivinhação e profecia; é a mediunidade permanente, e seus oráculos são os ecos da voz de Deus. Eis por que são duplamente santas as bênçãos do ancião.
Devem-se guardar no coração os últimos transportes do ancião que morre qual o eco longínquo de uma voz amada de Deus e respeitada pelos homens.
A velhice, quando é digna e pura, assemelha-se ao nono livro da Sibila que, por si só, vale o preço de todos os outros, porque os recapitula e, resumindo todo o destino humano, anula os outros livros.

"De todas as histórias - diz-se - a mais bela é a das Almas." Isso é verdade. É belo penetrar nesse mundo interior, e surpreender as leis do pensamento, os movimentos secretos do amor.
A Alma do ancião é uma cripta misteriosa, esclarecida pela Alba inicial do sol do outro mundo. De igual forma que as antigas iniciações se davam nas salas profundas das pirâmides, longe do olhar e do ruído dos mortais, abstractos e inconscientes, paralelamente, na cripta subterrânea da velhice dão-se as iniciações sagradas, que preludiam as revelações da morte.
As transformações, ou melhor, as transfigurações operadas nas faculdades da Alma, pela velhice, são admiráveis. Esse trabalho interior resume-se em uma única palavra: a simplicidade.

A morte é simplesmente um segundo nascimento deixamos o mundo pela mesma razão por que nele entramos, segundo a ordem da mesma lei.
Algum tempo antes da morte, um trabalho silencioso se executa. A desmaterialização já está começada. Poderiam verificá-la por certos sinais, quantos rodeiam o moribundo, se não estivessem distraídos pelos factos externos. A moléstia goza aqui de papel considerável. Ela acaba em alguns meses, em algumas semanas, em alguns dias, apenas, o que o lento trabalho da idade havia preparado: é a obra I de "dissolução" de que fala o Apóstolo Paulo. Essa palavra dissolução é muito significativa: indica nitidamente que o organismo se desagrega, e que o perispírito se "desliga" do resto da carne em que estava envolvido. A velhice não é uma decadência; é um progresso.

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