O medo de errar
A gente é a soma das nossas decisões.
É
uma frase da qual sempre gostei, mas lembrei dela outro dia num local
inusitado: dentro do súper. Comprar maionese, band-aid e iogurte, por
exemplo, hoje requer expertise. Tem maionese tradicional, light,
premium, com leite, com ômega 3, com limão, com ovos “free range”.
Band-aid, há de todos os formatos e tamanhos, nas versões transparente,
extratransparente, colorido, temático, flexível. Absorvente com aba e
sem aba, com perfume e sem perfume, cobertura seca ou suave. Creme
dental contra o amarelamento, contra o tártaro, contra o mau hálito,
contra a cárie, contra as bactérias. É o melhor dos mundos: aumentou a
diversificação. E com ela, o medo de errar.
Assim como antes era
mais fácil fazer compras, também era mais fácil viver. Para ser feliz,
bastava estudar (magistério para as moças), fazer uma faculdade
(Medicina, Engenharia ou Direito para os rapazes), casar (com o sexo
oposto), ter filhos (no mínimo dois) e manter a família estruturada até o
fim do dias. Era a maionese tradicional.
Hoje, existem várias
“marcas” de felicidade. Casar, não casar, juntar, ficar, separar. Homem
com mulher, homem com homem, mulher com mulher. Ter filhos biológicos,
adotar, inseminação artificial, barriga de aluguel – ou simplesmente não
tê-los. Fazer intercâmbio, abrir o próprio negócio, tentar um concurso
público, entrar para a faculdade. Mas estudar o quê? Só de cursos
técnicos, profissionalizantes e universitários, há centenas. Computação
Gráfica ou Informática Biomédica? Editoração ou Ciências Moleculares?
Moda, Geofísica ou Engenharia de Petróleo?
A vida padronizada podia
ser menos estimulante, mas oferecia mais segurança, era fácil “acertar” e
se sentir um adulto. Já a expansão de ofertas tornou tudo mais
empolgante, só que incentivou a infantilização: sem saber ao certo o que
é melhor para si, surgiu o medo de crescer.
Todos parecem ter 10
anos menos. Quem tem 17, age como se tivesse 7. Quem tem 28, parece ter
18. Quem tem 39, vive como se fossem 29. Quem tem 40, 50, 60, mesma
coisa. Por um lado, é ótimo ter um espírito jovial e a aparência idem,
mas até quando se pode adiar a maturidade?
Só nos tornamos
verdadeiramente adultos quando perdemos o medo de errar. Não somos
apenas a soma das nossas escolhas, mas também das nossas renúncias.
Crescer é tomar decisões e, depois, conviver pacificamente com a dúvida.
Adolescentes prorrogam suas escolhas porque querem ter certeza absoluta
– errar lhes parece a morte. Adultos sabem que nunca terão certeza
absoluta de nada, e sabem também que só a morte física é definitiva. Já
“morreram” diante de fracassos e frustrações, e voltaram pra vida. Ao
entender que é normal morrer várias vezes numa única existência,
perdemos o medo – e finalmente crescemos.
(texto de Martha Medeiros, publicado no jornal Zero Hora/RS)
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